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Para o Semiárido, é emblemático o dia do bioma predominante na região ser na mesma data em que se celebra a Educação

Depois de 521 anos de colonização, região carece de políticas públicas efetivas para educar as mentes e recaatingar o território. A sociedade civil é referência para isso.

EFAS: jovens estudam a Caatinga a partir de projetos de pesquisa e extensão

Uma viagem pelo Semiárido fez da menina Débora uma grande aprendiz sobre a região. Na companhia da formiga Zanza e da abelha Filó, a garota conheceu plantas da Caatinga e aspectos importantes delas como o potencial alimentício e medicinal; entendeu o ciclo das chuvas na região onde ela vivia; conheceu a diversidade de animais, o solo; entendeu um pouco sobre o modo de vida de comunidades e povos tradicionais da região semiárida; visitou vários lugares, mas também se preocupou com algumas maldades contra o meio ambiente que ela passou a enxergar a partir desta viagem. Débora é uma personagem do livro Conhecendo o Semiárido (Volume I e II), que foi produzido pela Rede de Educação do Semiárido Brasileiro  (Resab).

Através da menina Débora, estudantes da Escola Rural Ouricuri (ERO), que faz parte da Rede Municipal de Educação de Ouricuri (PE), também puderam percorrer diversos lugares e estudar sobre a região onde vivem. O referido livro chegou à escola por meio da ONG Caatinga, que tem sede no município e realiza trabalho voltado para Convivência com o Semiárido, o que inclui a defesa da educação contextualizada.

Desde a década de 2000, o livro vem sendo experimentado por algumas escolas de municípios do Semiárido a partir de iniciativas pontuais de prefeituras ou por educadores/as de forma independente. Para uma das autoras dos livros, atualmente professora da Universidade do Estado da Bahia e Doutora em Pós Colonialismos e Cidadania Global, Maísa Antunes, a necessidade de publicações como estas surge a partir do questionamento do próprio currículo e materiais didáticos descontextualizados adotados nas escolas.

No trabalho de pesquisa que antecedeu a elaboração do livro, as autoras constataram que a maior parte das escolas do Semiárido utiliza livros produzidos no Sul e Sudeste, por autores/as que muitas vezes nem conhecem a região, portanto não tratam com a devida atenção as particularidades do território, a exemplo da biodiversidade da Caatinga, da riqueza geográfica, histórica e cultural dos povos.

Estas reflexões têm sido evidenciadas também a partir da produção acadêmica ao longo das últimas décadas, inclusive com a criação de cursos de graduação e pós graduação voltados para educação contextualizada. No entanto, é inegável que ainda há um estereótipo negativo impregnado no imaginário das pessoas sobre a região e em especial sobre o Bioma Caatinga. Esta imagem única é fruto de centenas de anos da predominância de uma educação colonizadora e opressora.

Para José Moacir dos Santos, pedagogo e colaborador do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), “essa desvalorização da Caatinga é um fato histórico causado pelo colonizador e dispersado até os dias de hoje. Quando o português chega no Brasil, se instala no litoral e trata todo interior como um deserto, o desertão, que depois vira o sertão, que seriam terras inóspitas. (…) Olhando para a Caatinga, comparava: não parece com o bioma da Europa, não parece com o Bioma da Mata Atlântica, então não presta”.

Essa visão, conforme Moacir, levou a práticas inapropriadas ao bioma, que se perpetuam até os dias atuais, uma vez que se baseiam neste jeito de olhar para a região. A educação, a arte, as mensagens transmitidas pelos meios de comunicação da grande mídia estão impregnadas por esta forma de pensar o Semiárido e terminam sendo a base para a implementação dos grandes projetos do agro e hidronegócios que só reforçam a desigualdade social.

Recaatingar as mentes para recaatingar as matas


O entendimento de que a Caatinga é um bem valioso para o Brasil e em especial para a Convivência com o Semiárido é um paradigma ainda em construção. É muito comum a negação da identidade de caatingueiro ou caatingueira, termos inclusive muitas vezes usados de forma pejorativa.

Essa realidade, contudo, passa por mudanças mediante a intervenção de organizações da sociedade civil, a exemplo da Resab e da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), que vem se dedicando a construir uma outra narrativa sobre a região.

A ação dessas redes é pautada no incentivo ao empoderamento dos povos tradicionais a partir da discussão e implementação da proposta de Convivência com o Semiárido, o que inclui como premissa fundamental a valorização do Bioma Caatinga, considerando seus diversos potenciais, indispensáveis para o Bem Viver na região.

José Moacir acompanha desde 2009 ações de recaatingamento no sertão da Bahia desenvolvidas pelo Irpaa em parceria com comunidades tradicionais de Fundo de Pasto. Segundo a instituição, atualmente 31 comunidades estão investindo nesta ação, que visa a recuperação e conservação da Caatinga através de técnicas como cercamento de áreas, plantio de mudas, criação de abelhas, extrativismo sustentável, entre outras práticas que tem por base a educação ambiental.

Já são mil hectares isolados e mais mil em processo de isolamento até o final do ano. É feito também plano de manejo em áreas abertas, visando consorciar a quantidade de animais com a capacidade de suporte da Caatinga, ação que já está acontecendo em uma área total de 30 mil hectares. “Ano passado fizemos uma avaliação de nove áreas mais antigas, com 10 anos de áreas isoladas. (…) Observamos que as árvores e arbustos presentes nas áreas isoladas dobraram de tamanho em relação as plantas na área solta, contribuindo para um maior sequestro de carbono, para a melhoria na estrutura do solo por conta do crescimento das raízes e da cobertura vegetal.Percebemos que o banco de  sementes nessas áreas é três vezes maior que nas áreas soltas, um potencial incrível para o surgimento de novas plantas”, compartilhou Moacir.

O trabalho de educação contextualizada, seja na escola ou nos espaços não formais, é fundamental para fortalecer o pertencimento das pessoas ao bioma e assim construírem a defesa do mesmo, bem como ações concretas de recuperação, preservação e conservação.

As/os estudantes da Escola Rural Ouricuri,  ao adotarem o livro produzido pela Resab, “chegaram à conclusão que a região tem muita coisa, uma diversidade grande”, destacou a professora Maria do Socorro Silva ao informar que nas aulas e atividades sobre a Caatinga a publicação foi fundamental para abordar a biodiversidade até então desconhecida das/dos estudantes.

Considerando a urgência em manter essa biodiversidade e necessidade de trabalhar o tema nos centros de pesquisa e de educação, a ASA e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolvem o projeto Agrobiodiversidade do Semiárido.  Uma das ações desse projeto é o fomento à produção de spondias (umbu, umbuguela e umbu cajá) e maracujá da Caatinga para constituição de sistemas agroflorestais nas comunidades rurais.

As Escolas Famílias Agrícolas (EFA’s) possuem viveiros de mudas e espaços produtivos, o que permite as/os estudantes participarem de todas as etapas de cultivo destas espécies na escola, a partir de um olhar científico atrelado ao currículo, e em seguida levarem a experiência para suas comunidades de origem com o intuito de promover sistemas de agrocaatinga, sem desconsiderar o conhecimento que as famílias já possuem.

“O projeto tem uma importância gigantesca na minha vida e da comunidade, pois o mesmo incentiva a manter viva a agrobiodiversidade que há em nossas regiões”, revela a estudante da EFA de Sobradinho (BA), Thaís Lorrane Soares Carvalho, residente na comunidade de Oiti, em Pilão Arcado, também na Bahia. A jovem conta que os conhecimentos irão somar muito à sua trajetória acadêmica e pessoal, além da oportunidade de ter um agroecossistema na propriedade da família, que servirá também de exemplo para a comunidade onde vive e circunvizinhança.

Segundo o assessor técnico da Refaisa, Bruno Silva, cinco Escolas Famílias Agrícolas estão envolvidas com o Projeto Agrobiodiversidade do Semiárido, as quais já registram um total de 2500 mudas produzidas em um ano, compreendendo as spondias e o maracujá.

Segundo Bruno, como as EFA’s trabalham na perspectiva da Pedagogia da Alternância – envolvendo escola, família e comunidade – o compromisso da instituição é “incentivar as comunidades a aumentar o percentual da área preservada da Caatinga”, uma ação que “outras organizações da Bahia, do Nordeste, do Brasil, estão trabalhando com fomento na perspectiva de incentivar a conservação, a preservação da Biodiversidade da Caatinga”, ressalta o educador.

Conforme mapeamento feito pelo Irpaa em 2019, outras experiências de recaatingamento vêm sendo desenvolvidas em todo o Semiárido, inclusive a partir de iniciativas particulares de famílias que realizam ações variadas conforme cada realidade. Uma destas, relatada em uma cartilha, conta com o protagonismo do casal Miguel Hostio e Maria da Guia, do município de Montadas (PB).

A experiência acontece na região da Borborema, que “foi muito degradada para a criação de boi, cultivo de sisal e extração de carvão vegetal. As propriedades têm em média de três a cinco hectares. Seu Miguel comprou a propriedade e se mudou para o Sítio Montadas em 2005. Com um total de 15 hectares, toda a área era usada para pastagem, encontrando apenas duas aroeiras, uma algarobeira, um cajueiro e quatro coqueiros como estrato arbóreo. (…) Desde 2011, o agricultor já introduziu na área mais de 2,5 mil mudas de caraibeira, mandacaru, oiti, aroeira, acácia, acerola, graviola, goiaba, entre outras, o que já alterou a paisagem local em comparação com as propriedades do entorno”, conforme consta na publicação.

Todas estas iniciativas, individuais ou coletivas, são necessárias devido ao cenário atual de degradação da Caatinga, que abriga 27 milhões de pessoas. O Bioma já registra 40% de sua vegetação destruída, segundo estudo realizado pelo Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan) em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Fonte: Asa Brasil

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