Jovens de diversas EFAs da Bahia se reuniram para trocar experiências, se aproximar da força e relevância do Sertão e repactuar a luta pelo direito à terra, ao território e à educação
“Eu sou educação do campo, eu sou Escola Família Agrícola, eu sou sertão do São Francisco, eu sou semiárido, eu sou força pra lutar. Se os latifundiários não nos fizeram parar, imagine nos desacreditar”. Esse poema é de Shirley Magalhães, estudante da EFA do Sertão do São Francisco e foi por meio dele que a jovem definiu a importância do Encontro com a Juventude Camponesa, que aconteceu de 24 a 26 de novembro na Escola Família Agrícola do Sertão (EFASE) de Monte Santo-BA. O encontro, que contou com a participação de 11 EFAs da Bahia, foi realizado pela AATR em parceria com a Rede das Escolas Famílias Agrícolas Integradas do Semiárido (Refaisa). Foram três dias de intensas atividades voltadas para a juventude do campo em atenção às especificidades e realidades das EFAs de cada território representado pelos/as jovens estudantes.
Jovens se reúnem na EFA de Monte Santo para compartilhar saberes e lutas
Além de passeios culturais, como a visita ao Museu do Sertão e a caminhada ao Monte Santo, importante ponto turístico e histórico da cidade, foram realizadas oficinas, rodas de conversa e troca de saberes com à rede de comercialização de grupos produtivos solidários e de agricultura familiar Monte Sabores, além de visita guiada aos espaços da EFA Monte Santo, como forma de partilhar os conhecimentos e práticas dessa escola, localizada no semiárido baiano. A fim de enfatizar a organização produtiva e a geração de renda do local, os/as jovens também conheceram a Cooperativa Coopercuc, com o objetivo de mostrar o trabalho desenvolvido por trabalhadoras/es rurais na geração de renda sustentável a partir do próprio território. Houve também uma visita à comunidade Lagoa do Pimentel, conhecida por Lagoa do Mandacaru, para trocar experiências de luta em defesa do território de Fundo de Pasto.
Reafirmação do semiárido baiano como local de potencia
Entre os/as participantes foi bastante destacada a assertividade na escolha do território para a realização do encontro, tendo em vista a relevância simbólica, cultural e histórica do semiárido baiano. “Foi uma experiência totalmente nova principalmente por conta do bioma e pelas lutas pelo território. É uma forma de vida de muita resistência e força, dá orgulho de estar em um local desse e pensar que é dessa história que eu faço parte.”, comentou Kauê dos Reis que é aluno da EFA do Litoral Norte, do município de Rio Real.
Já Paloma Souza, da EFA de Itiúba, também destacou a importância de o encontro ser presencial: “O encontro foi de extrema importância, porque engrandeceu o conhecimento de cada pessoa que estava aqui. A gente debateu sobre temas que são relevantes e atuais para as nossas comunidades. O conhecimento legislativo, sobre direito, sobre identidade, vai ser levado para minha EFA e para a minha comunidade”.
A EFA de Monte Santo está inserida em um território de Fundo de Pasto e de reforma agrária, e que foi cedido pela comunidade para a sua construção. Herlan Barros, que faz parte da equipe de monitores da EFASE, destacou a riqueza do encontro para a formação da juventude.“Esse foi um momento muito rico de conhecimento, porque promove uma transformação nas comunidades e nas EFAs. Esse evento aqui na Efase de Monte Santo é muito simbólico, por ser um território de reforma agrária o que enfatiza o direito à terra, a educação e a água.”
Oficinas enquanto espaços seguros de trocas, afetos e memórias
Durante o encontro foram realizadas oficinas que oportunizaram trocas entre os/as estudantes das EFAs com ênfase na identificação das lutas. Quatro espaços foram dedicados à realização de oficinas com temas como escrita, teatro, trança e ancestralidade. Daniela Regina da EFA do Litoral Norte, município de Rio Real, comentou sobre a força da oficina de Escrita Criativa. “Do evento o que mais vou levar é a oficina de escrita criativa, eu senti que se eu fosse para qualquer outra não sentiria o que senti nessa, foi emocionante. Nós vamos tentar levar um pouco do que vivemos aqui para nossa EFA”.
O escritor e assessor jurídico da AATR, Gildemar Trindade, contou um pouco sobre a proposta e o quanto foi uma experiência única ministrar a oficina “Escrita Criativa – Memórias, Tradições, Cultura e Oralidade”. “Ao longo das sessões, mergulhamos profundamente nas memórias pessoais, explorando a riqueza da territorialidade e das culturas individuais e coletivas. Foi mais do que uma simples oficina de escrita; foi um mergulho profundo nas vivências de cada um, celebrando a pluralidade de experiências”, comentou.
Fernanda Moscozo, assistente social que ministrou a “Oficina de tranças: Juventude, identidade e ancestralidade”, falou sobre proposta da oficinas, a unificação dessas identificações territoriais e culturais nesse encontro de EFAs: “Foi uma oficina que fez com que essa juventude, independente dos seus territórios, percebam o que é esse cabelo negro, crespo, que na estrutura racista foi estigmatizado. O cabelo negro foi essencial na luta negra, sempre foi utilizado como instrumento de comunicação, como cartografia, mas também como elemento de afeto”.
As outras oficinas ministradas foram “Teatro do oprimido: Juventude, terra e território” e “Oficina de teatro: juventude popular”, todas com ampla participação e atenção da juventude.
Parceira AATR e Refaisa: fortalecimento da articulação entre as EFAs
A coordenadora de programas da AATR, Natiele Santos, falou sobre a entidade e sobre os objetivos do encontro que nasce da atuação de longa data da AATR no seu eixo de Educação Jurídica Popular. A coordenadora destacou que progressivamente a AATR tem inserido a juventude com mais força nas suas ações. “A AATR desenvolve um trabalho de Educação Jurídica Popular com o objetivo de desencastelar esse conhecimento do direito. Esse encontro em parceria com a Refaisa, tem foco na juventude, estamos aqui nesses três dias para construir coletivamente processos de luta, troca de saberes, possibilitando também o diálogo entre as EFAs”, comentou.
Leila Dandreamatteo, assessora jurídica da AATR, que a atua no eixo de Educação Jurídica popular, resgatou o histórico dessa atuação e como a AATR e Refaisa puderam amadurecer um encontro como esse. “ Há alguns anos, durante o começo da pandemia, junto com a Refaisa, propomos um curso de formação voltado para estudantes e monitores sobre os direitos que envolvem a juventude rural. Pensamos como contribuir com a luta dos povos e das comunidades que já estão aí há gerações lutando, a AATR é uma pontinha muito pequena, nos perguntamos como poderíamos contribuir. É essa a reflexão proposta nesse encontro.”
Crispin Ribeiro, diretor presidente da Refaisa e egresso da EFA de Monte Santo, avaliou os dias de evento. “Foi de extrema importância para a Refaisa. trouxe um olhar diferente sobre a nossa própria juventude, a partir desse diálogo com o direito, a gente sai daqui com encaminhamentos importantes para fortalecer as nossas bases. A parceria com a AATR tem fortalecido esse trabalho, saímos daqui revigorados com um monte de ideias e vamos garantir essa articulação dentro das nossas escolas.”, enfatizou.
No dia 26 de novembro o Encontro com a Juventude Camponesa chegou ao fim e a juventude se despediu de Monte Santo-BA, município do semiárido baiano, trazendo muitas histórias e experiências. Foram dias de trocas, aprendizados, organização para a luta e encaminhamentos importantes. Os/as jovens estiveram sempre presentes, atentos/as e participativos/as.
Foram entregues também os kits pedagógicos do Projeto Direitos nas Escolas, que têm como objetivo fortalecer a educação do campo, em diálogo com a Educação Jurídica Popular. Nesses dias, as ideias que surgiram, e que se alinham aos anseios da juventude, serão tomadas como alicerce para ações futuras. São muitos os desafios, mas o sol do sertão aqueceu nossos corações para seguirmos na luta.
Fonte: https://www.aatr.org.br/post/encontro-com-a-juventude-promove-interc%C3%A2mbio-entre-escolas-fam%C3%ADlias-agr%C3%ADcolas-efas-em-monte-santo